terça-feira, 26 de maio de 2015

Máscaras

Ele sempre foi o garoto perfeito. Quando namorava era fiel, quando estava solteiro era sincero. Não brincava com o sentimento alheio, era atencioso com as amigas, era gente boa com os amigos. Tinha lindo olhos claros. Todas as mulheres do mundo queriam. E aquela outra moça teve, teve ele nas mãos.
Foi um lance rápido, intenso e muito confuso. Só que a moça conseguiu ler, entender e interpretar cada pedacinho da cabeça dele. Ela conseguiu desfazer todas as máscaras de um bom garoto.
Não que ele fosse ruim, de jeito nenhum. Ele se fazia de bom, para fazer com que as pessoas o achassem malvado e então conseguir se esconder. Se escondia atrás de máscaras imensas, fantasmas gigantes. Era sua proteção. Era sua proteção para os problemas de saúde, da vulnerabilidade que sentia longe de casa, da personalidade de querer ajudar a todos. Sua proteção. Era sua proteção para a falta de personalidade, para a falta.
O que deu ruim é que a moça enxergou por trás daqueles lindos olhos claros. Ela também usava um monte de máscaras e reconheceu de longe um medroso como ela. O garoto ficou, em um primeiro momento, encantado. Mas depois assustou. Porque saber de todas as suas máscaras, conhecer todos os seus segredos, interpretar todas as atitudes assusta. Porque quando você usa mascaras, é justamente para que ninguém saiba o que vem por trás delas. E é assustador quando alguém descobre. Assim com tanta facilidade, o que a gente é de verdade. E aquele garoto menino que nem tinha aprendido o que era ficar longe da família ainda ficou desesperado. Ele não estava pronto para tirar as máscaras, não estava pronto para ter alguém que fosse mais que ele por perto. O garoto menino era só um menino. Não estava preparado para uma mulher independente que o via totalmente diferente que o mundo via, que o enxergava de um jeito que ele não queria ser enxergado, que não esperava. Afinal, tinha dado certo nos últimos 19 anos né?
Só que houveram complicações. Porque a garota achou que estava tudo perfeito. Afinal, ter a boa capacidade de leitura nunca foi um problema para as pessoas né? Ele sumiu, correu, fugiu, evitou e ela ficou sem saber o que fazer, sem saber o que fez. Mal sabia que não podia sair assim tirando as máscaras das pessoas. Mesmo quando você está completamente apaixonada por ela.
O menino encontrou uma menina - como ele - que era bem bobinha e nunca enxergou as máscaras. A moça colecionou mais uma máscara na vida e continuou caminhando, a procura de alguém que pudesse conviver com ela. A procura de alguém que - como ela tentou fazer - tirasse todas as suas máscaras, despisse ela toda. Ela ficou procurando alguém que entendesse seu olhar, por trás da mascara de felicidade.
Enquanto ele viveu uma vida morna e feliz com a menina boba. Um vida confortável e cheia de máscaras.
O garoto sentiu falta da moça para sempre. A moça nunca encontrou alguém que conseguisse tirar todas as suas amarras.


quarta-feira, 20 de maio de 2015

Falta.

A gente vive. Sorri, diz bom dia, toma café, dá risada de algumas piadas sem graça, ouve algumas histórias. A gente pergunta se tá tudo bem e responde que tá bem também. A camiseta está passada, a calça está limpa e o sapato está engraxado. O cabelo está cortado, alinhado e hidratado. O sorriso continua no rosto, automaticamente e sem pensar. Existe um emprego, mesmo com a crise no país. Existe uma casa, dinheiro para pagar as contas, pais por perto, família feliz. Teve também uma sonhada viagem para a Africa. Perfeito, a vida que todo mundo pediu a Deus.

Não.

Porque parece que falta. Falta ar, falta tempo, falta sorriso. Falta. Falta o coração vibrando, os olhos brilhado, a perna tremendo. Falta. Falta o desafio, o medo, o frio na barriga. Falta a emoção, a hesitação, o tesão, falta o ão, o oitenta, o quente que queima, que machuca, que te dá vontade de chorar. Falta.

Mas não dá pra saber onde falta. Pode ser a falta de casa, a falta de compromisso, a falta de provas, a falta daquele trabalho. Só da pra saber que falta um monte de coisas, que a vida mudou, que tanta coisa acabou. E faz falta. Falta.

E daí faz um buraco no peito, deixa o coração frio, a vida morna. Dá vontade de começar tudo de novo, refazer, remontar, destruir e reconstruir.

Quero largar o hospital, largar o consultório, quero largar o mundo. Talvez eu só comece a segunda faculdade e vá estudar antropologia e morar com os índios. Ou eu faça um concurso para a PM para subir o morro e matar bandido. Talvez eu entre pro BOPE ou pra ROTA. Eu sinto falta da emoção, da falta de segurança.

Mas, será que dá pra sentir falta de alguma coisa que nunca tivemos?